O trabalho com música permeia toda minha prática, uma vez que é parte fundamental da minha vida pessoal. Quem disse que professor também não transmite gosto e estética, infelizmente não teve professores como eu tive a sorte de ter. Sei que minha paixão por Manuel Bandeira veio do meu querido e já falecido prof. Wilson, ou ainda que adoro o poema "Versos Íntimos" pela maneira espetacular de recitá-lo de um professor do cursinho.
Eu gosto de música, e adoro este projeto...
Em um primeiro momento pedi a eles que trouxessem para apresentar uma música favorita. Trouxeram letras copiadas para que os colegas pudessem acompanhar, e depois falamos sobre cada uma, sem grandes interpretações ou julgamentos. Pura tentativa de análise artística. Foi muito bacana perceber que de todas as músicas que eles trouxeram, a única que foi avaliada "por eles" como sendo efetivamente artística foi uma do Raul Seixas. Foi um bom começo.
Em seguida eu propus que eles montassem grupos e que fossem explorar cantores e grupos que eles não conheciam, para que compartilhassem com a sala. Dividimos em MPB, Rock dos anos 80s e Rap. Como somos uma sala pequena, propus que os grupos antes de começarem com seus temas específicos, trouxessem artistas pontuais e importantes, como Cartola, Luís Gonzaga, Sérgio Reis e Roberto Carlos.
Em um primeiro momento percebi que os trabalhos vinham com uma extensa biografia (pesquisa fácil na Wikipédia...) mas que eles se perdiam um pouco tanto na escolha da música quanto em sua análise. Trabalhamos este aspecto e eles conseguiram equilibrar as apresentações, dando importância para o que realmente valia.
A cada bimestre os grupos escolhiam um representante e apresentavam letras. Chico Buarque, Cazuza, Gabriel Pensador, Elis, Tom Jobim, Titãs, Raul, Racionais MC, Pacificadores, Caetano, Rita Lee, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii.
As discussões foram ficando cada vez mais profundas e envolventes, e tive feedbacks fantásticos.
O primeiro foi na Feira Cultural. Montamos em sala um cinema, com clipes das músicas que estudamos. Os meninos mais ligados em informática ficaram bem envolvidos por poderem usar seus talentos ao montar o video, que também foi a lembrança entregue aos pais.
Cada aluno foi vestido de uma personagem, tivemos Maysa, Carmen Miranda, Raul Seixas... Na decoração da sala, uma linha do tempo musical, feita com o professor de Matemática e inúmeras claves, que só a professora de Artes mesmo poderia ter coordenado, dada a minha falta absoluta de habilidade manual...
Os alunos e eu escolhemos os trechos de músicas de que mais gostamos e os montamos nas paredes.
O público ficou encantado. Nossa sala virou ponto de bate papo, como ocorre nos bons bares com música ao vivo. Ouvi muito a frase "Deixa só eu ver qual vai ser a próxima música e depois vamos."
Os pais, depois da Feira, vieram me procurar felicíssimos com a reação dos filhos em casa. "Agora ela pede pra eu colocar Chico no rádio!". Muitos acharam algo a mais para compartilharem com os filhos...
E o mais importante.... O feedback que tive deles mesmos, os alunos. Finalizada a Feira, notas atribuídas, partiu DELES a ideia de mesmo ao final do último bimestre, fazerem um último trabalho de apresentação, só para analisarem mais músicas. Nes´ta última etapa tivemos uma das discussões mais interessantes, quando o grupo de Rap trouxe "Capítulo 4 versículo3", dos Racionais. Forte, repleta de palavreado bandido, a música tocou tanto a sala que uma aluna um pouco mais pueril deu o melhor gancho para a discussão: "Pro, essa música me deu dor de cabeça!!". Pronto, mais um conhecimento desconstruído, mais uma zona de conforto transpassada.....
Sei que música industrial eles vã continuar escutando, mas fico muito contente com a capacidade crítica que eles adquiriram e com o aumento de bagagem cultural que ganharam.
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